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Quem dera ser manteiga sob o sol!

Que vergonha! Mais de um mês sem escrever. Mas, o isolamento social pesa, ah, se pesa. Março se arrastou e quase não traduzi. Afinal, como traduzir poesia com as pessoas morrendo lá fora? Que importância tem Joyce em meio a isso tudo? Mas veio abril, e com ele a sensação de que a poesia importa, sim!, mais do que em períodos de normalidade, mais do que quando podemos sair de casa quando dá vontade para aproveitar a luz do sol ou tomar uma cerveja com os amigos à noite.


Joyce odiava o verão em Trieste, dizia que transformava os homens em manteiga. Mas, ele nunca soube o que é ter o sol brilhando do lado de fora, lindo, mas incapaz de fritar definitivamente um vírus mortal. Se tivesse sabido, pagaria qualquer preço para virar manteiga sob o sol quente e italiano de Trieste.


Joyce andando em Trieste fotografado por Vitor Amaral em 2017

Se março se arrastou, abril passou quase suave. Voltei às traduções e maio chegou mais poético e com frescor outonal, apesar de. Quase disse que em abril fui mais produtivo, mas estou evitando essa palavra. Primeiro porque tradução de poesia não se deve medir pela lógica da produtividade e nada tem a ver com transformar sua casa em um escritório (ah, desculpem-me, falantes da língua portuguesa, esqueci, aqui no Brasil se diz home office); segundo, porque, de modo geral, acho que eu e muita gente temos direito a um período de adaptação à atual realidade sem sermos chamados de intelectuais improdutivos.


Bem, estou navegando pelos poemas da juventude de Joyce. Na maioria das vezes, inequívocos fragmentos ou que deixam a sensação de fragmento. Não é fácil traduzi-los. Eu confesso que não me lembro de haver traduzido “pedaços” de poemas sem conhecer o que vinha antes ou depois; sem saber se um pé está quebrado por falta de revisão ou se meu ouvido está surdo; sem ter certeza se uma tal palavra rimaria (ou rimava) com alguma outra.


Deixo aqui um fragmento e sua tradução. Aceito críticas, sugestões e, quem sabe, elogios:


[I]

Somente as belas mãos é o que te peço

Eis, amor, derradeira a nossa graça

Inevitável curso o tempo traça

Dos alciôneos dias me despeço.

Todo o prazer do amor nós já tivemos

Ainda que um prazer tão machucado

Mas a estação do amor nós bem vivemos

Nossa paixão cantamos mesmo assim — [...]

Que nasça a noite e suma o dia incerto

[I]

I only ask you to give me your fair hands

Ah, dearest, this one grace, it will be the last

How fast are they fled, halcyon days, how fast

Nor you nor I can arrest time’s running sands.

Enough that we have known the pleasure of love

Albeit pleasure, fraught with a heartfelt grief

Though our love season hath been marvellous

Yet we have loved and told our passion — [...]

Then fade the uncertain day and come the night


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